Doenças
Câncer é hereditário? Entenda como se dá a hereditariedade do câncer e os tipos
Dra. Thereza Cavalcanti
07 de junho de 2021
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Por Dra. Thereza Loureiro Cavalcanti
Quando se fala de câncer, uma das preocupações do médico é saber sobre o histórico familiar do paciente. De fato, a ocorrência de uma neoplasia (tumor) em uma pessoa pode ter relação com uma característica genética herdada. Além disso, essa predisposição também pode ser passada para seus filhos.
Mas seria a hereditariedade um fator determinante para o surgimento de câncer em um indivíduo? É possível descobrir a probabilidade dessa incidência? Continue a leitura!
O câncer é sempre hereditário?
O câncer em si não é herdado, mas algumas pessoas têm características genéticas que as predispõe a desenvolver determinados tipos de câncer, e essa predisposição pode ser transmitida de pais para filhos, que é o chamado câncer hereditário.
Geralmente, a chance de um filho gerado naturalmente herdar a predisposição é de 50%; enquanto a chance de quem a herda vir a desenvolver câncer ao longo da vida varia de acordo com o gene envolvido. Isso explica porque algumas familiares desenvolvem câncer e outros não, mesmo que tenham hábitos semelhantes e morem em um mesmo lugar.
O câncer, portanto, pode ser hereditário, que é o nome dado a quando a doença ocorre por conta de uma predisposição genética da família; e não propriamente herdado, pois ele se desenvolve ou não ao longo da vida.
Como as mutações genéticas se relacionam ao desenvolvimento de um câncer?
O material genético de uma pessoa tem uma metade herdada de cada um dos pais biológicos. Para cada gene, portanto, em geral, temos uma parte herdada do pai, e outra herdada da mãe; e cada parte é chamada de alelo.
As células se dividem durante a vida e, nesse decorrer, podem acontecer erros que precisam ser identificados e reparados ou é programada a morte celular por um processo chamado de apoptose.
Por melhor que seja o ciclo celular, alguma mutação (mudança da sequência original) pode escapar a esse sistema de verificação e reparo do DNA. A maioria das mutações não atrapalham o funcionamento da célula, mas as que a prejudicam são chamadas de “patogênicas”.
Se a pessoa herdar uma variante patogênica em um gene, mas o outro alelo estiver normal, o gene continua cumprindo sua função. Durante a divisão das células, contudo, pode acontecer uma mutação justamente no outro alelo do gene, e é como se houvesse uma perda no “backup”, ou seja, o gene não vai funcionar mais como deveria, e a célula fica suscetível a acumular vários outros erros.
Em outras palavras, se a pessoa não tiver herdado dos pais uma característica genética que prejudique a função de determinado gene, ela terá os dois alelos funcionando corretamente. Se um deles sofrer uma mutação que prejudique a função do gene, o outro continuará funcionando. Para quem não tem a predisposição, é necessário haver mutação patogênica nos dois alelos do gene supressor tumoral para desenvolver esse tipo de câncer.
Outra forma de se desenvolver tumores sem ser relacionada à predisposição herdada é quando genes responsáveis pela proliferação celular funcionam mais do que deveriam – a chamada transformação de um proto-oncogene em um oncogene, que pode se dever à ação de um vírus, como é o caso do HPV para o câncer do colo do útero.
Vamos a um exemplo: a chance de uma mulher sem histórico familiar ter câncer de mama é de 12%, porcentagem que costuma variar de acordo com a literatura médica. Se ela tiver sobrepeso ou obesidade, ou for sedentária, ou beber com frequência e não tiver filhos, essa probabilidade aumenta. Se ela tiver filhos e praticar atividade física regularmente, essa probabilidade média diminui.
Para quem tem uma predisposição herdada para desenvolver câncer de mama, essa probabilidade inicial já é maior, mesmo sem estar aliada a outros fatores. Para a mulher que tem a mutação no gene BRCA1, que é o que mais aumenta a chance de ter câncer de mama, essa probabilidade sobe para até 87%, podendo ser diminuída um pouco de acordo com os hábitos da pessoa, como exemplificado anteriormente.
Dependendo de qual é a variante genética encontrada, do histórico da pessoa e da sua família, o médico solicitará exames mais precoces, mais frequentes e em intervalos mais curtos; ou até recomendará cirurgias preventivas, quando a probabilidade for muito alta.
Na maioria dos casos, uma variante genética patogênica herdada leva à predisposição, e não à determinação de que a pessoa desenvolverá determinado tipo de câncer. Existem medidas médicas recomendadas que podem evitar o desenvolvimento da doença ou proporcionar um diagnóstico mais precoce, com melhor chance de cura.
Quais os tipos de câncer hereditários?
Câncer hereditário é aquele que aconteceu por predisposição genética herdada. Pode ser diagnosticada com câncer, sua filha não, mas seu neto sim, por se tratar de uma predisposição, e não de uma determinação para o desenvolvimento da doença, na maioria dos casos.
O tumor que não é (ou não parece ser) causado por alterações genéticas herdadas é denominado “câncer esporádico”.
Conheça os principais tipos de câncer que podem ser causados por mutações genéticas herdadas dos pais:
- Ovário/trompas;
- Melanoma;
- Próstata;
- Pâncreas;
- Mama;
- Cólon
- Útero (exceto colo do útero).
Câncer genético X hereditário
Todo câncer envolve alteração genética nas células doentes, mas apenas alguns são também hereditários.
O Instituto Nacional de Câncer (INCA) afirma que 80 a 90% dos cânceres estão associados a causas externas, como mudanças provocadas no meio ambiente pelo próprio homem, má alimentação, vícios e sedentarismo. Esses fatores se relacionam com alterações no DNA das células que podem prejudicar sua função.
O câncer hereditário é o que ocorre por uma predisposição genética herdada. Já o câncer genético ocorre por uma mutação nos genes de um indivíduo, mas que não é necessariamente herdada dos pais.
Resumidamente, o câncer pode estar relacionado a alteração genética presente desde o nascimento; decorrer da exposição a agentes cancerígenos, como radiação, infecções e toxinas; ou de ambos.
Exames genéticos relacionados à hereditariedade do câncer
Existem mapeamentos genéticos que podem identificar a hereditariedade de um câncer e a probabilidade de que a pessoa desenvolva outros tumores ou mesmo que seus familiares venham a desenvolver câncer.
O painel NGS para câncer hereditário é um exame que, por meio do sequenciamento dos genes mais relacionados ao câncer hereditário, detecta mutações genéticas que aumentam o risco de desenvolver câncer.
É um exame bem completo, que compreende 59 genes, e serve para identificar pessoas que necessitam de rastreio especial para câncer, eventualmente com exames mais frequentes, mais precoces e mais acurados. Essa atenção especial possibilita o diagnóstico mais precoce de câncer, se vier a desenvolver, aumentando as chances de sucesso do tratamento e diminuindo seus custos também.
O sequenciamento dos genes de predisposição ao câncer pode mudar a conduta cirúrgica e as medicações recomendadas para o paciente. Por exemplo: se for detectada uma variante genética de alta predisposição para câncer de mama, em vez de tirar apenas o tumor, cirurgião e paciente podem optar por uma cirurgia mais ampla, para evitar que o câncer reapareça na mesma mama ou na outra.
Essa cirurgia preventiva pode ser benéfica até para pessoas que nunca tiveram câncer, mas herdaram a predisposição da família.
O exame também ajuda na escolha do tratamento. Um exemplo são as pacientes com câncer de ovário e variante patogênica no gene BRCA2, que podem se beneficiar do uso de medicações inibidoras da enzima PARP, como o Olaparib.
Quem tem antecedente de câncer ou casos da doença na família pode conversar com um(a) médico(a) geneticista, para saber qual é o melhor exame para o seu caso.