Doenças

Quimerismo: entenda o que é e quais são as causas

Dr. Gustavo G. da Fonseca

Em alguns casos, pessoas com quimerismo podem apresentar heterocromia. Saiba mais sobre a condição genética.

Compartilhe este artigo:

Você já ouviu falar sobre quimerismo? Recentemente, esse assunto foi abordado na novela Travessia, onde a personagem Brisa apresenta essa condição genética.   

Quimerismo é quando uma pessoa possui células originadas de duas fontes distintas, resultando em dois tipos diferentes de DNA no corpo humano. Com essa alteração nos genes, é possível que ocorra algumas complicações. Entenda.  

O que é quimerismo? 

É esperado que todos nós tenhamos um conjunto único de DNA, idêntico ao nascimento para todas as células do corpo. Quimerismo é o nome usado sempre que um indivíduo manifesta ao menos dois conjuntos de DNA com origens diferentes. A causa da diferença, nesses casos, é a existência de dois materiais iniciais distintos, que se fundem para dar origem a um único ser. 

Existem outras condições, nas quais todas as células são idênticas na origem embrionária e sofrem diferenciação em sua informação genética posteriormente, como os mosaicismos celulares e as mutações somáticas. 

Quais são os tipos de quimerismo? 

São diversas classificações para o quimerismo, que pode ser natural ou artificial.  Há diferentes definições para o quimerismo em animais, plantas, humanos e, até mesmo, em vírus.  

Por exemplo, em um pomar, uma árvore com uma enxertia de um galho de outra árvore é uma quimera. Quando uma pessoa recebe um transplante, passa a apresentar um quimerismo. 

Veja os principais tipos de quimerismo humano a seguir: 

Microquimerismo 

Em toda gravidez, existe um contato íntimo de células maternas e fetais e quando há gemelaridade, há ainda o contato dos fetos entre si.  

A transferência de material através da circulação placentária ocorre tanto da mãe para o feto, quanto o inverso. Podemos considerar que todos nós tivemos algum grau mínimo de quimerismo durante a gestação. No pós-parto imediato, mais da metade das mulheres apresentam o chamado microquimerismo, uma quantidade muito pequena de células de origem fetal circulante. 

Na maioria das pessoas, ainda durante a gestação e logo após o parto, essas células são eliminadas. Ainda há bastante controvérsia em relação ao papel dessas células na saúde materna.  

Hoje, acredita-se que a persistência dessas células possa ser um gatilho para doenças autoimunes, mas também que possam ter um efeito regenerativo em alguns tecidos. 

Quimerismo partenogenético 

A reprodução sexual exige o encontro de dois gametas, células que produzimos nos testículos (espermatozóides) ou ovários (ovócitos) e carregam metade do material genético da pessoa que produziu. 

Eventualmente, um gameta pode sofrer uma fertilização espontânea, chamada partenogenética, na qual ele duplica o material genético que carregava. Esse é um modo comum de reprodução em alguns tipos de algas, plantas, animais invertebrados, como o escorpião, e poucos vertebrados, peixes, anfíbios, répteis e pássaros. 

Só chamamos de partenogenética quando a reprodução é assexuada, em um ser que é capaz de reprodução sexuada – sim, algas e plantas possuem sexo, apesar de ser um conceito bem diferente do que nós pensamos. 

Nenhum mamífero é capaz de realizar a partenogênese naturalmente, o que ocorre é a auto fecundação de um gameta, porém nosso desenvolvimento embrionário exige a soma de alguns sinais de um gameta de origem masculina, e sinais de um gameta feminino.  

Quando não temos os dois sinais, o embrião tem seu desenvolvimento interrompido naturalmente ainda nas primeiras etapas da gestação. 

A única situação em que um embrião autofecundado consegue sobreviver é quando ele encontra um segundo embrião, originado da junção de um gameta feminino e um gameta masculino, e ele se funde ao embrião completo. Em humanos, isso significa que parte do material genético das células da pessoa irá corresponder a junção de material de ambos os pais e parte irá representar somente um gameta materno duplicado. 

Quimerismo tetragamético 

Quando a gestação inicia com gêmeos, porém um dos gêmeos interrompe o desenvolvimento, as células dele podem ser absorvidas pelo gêmeo que continuou vivo. Essa pessoa, ao nascer, irá carregar uma maior parte de material genético próprio, e uma pequena parte de material genético originário do gêmeo.  

Como cada gêmeo se desenvolve a partir de dois gametas, quando se fundem, o indivíduo quimérico passou a ser originário de quatro gametas – por isso, a condição é chamada de quimerismo tetragamético

Quimerismo causa sintomas? 

A maioria das vezes, o quimerismo não é notado pela pessoa. As características de mais fácil percepção são olhos com duas cores diferentes, ou padrões especiais de coloração da pele. Porém, vale lembrar que nem todo olho com duas cores e nem mancha de pele são sinais de quimerismo. 

Em raras situações, um gêmeo quimérico pode se desenvolver com um tumor e necessitar abordagem cirúrgica. 

Outra situação na qual o quimerismo natural pode ter impacto na vida da pessoa é no estabelecimento de vínculo genético – o conhecido teste de paternidade. Como aconteceu com a personagem Brisa, na novela Travessia, existem casos reais nos quais se suspeitou que não havia parentesco entre crianças e a mãe, porque a mãe, sem saber, era uma quimera, e o teste de paternidade não a identificava como mãe das crianças. 

Como é feito o diagnóstico? 

Geralmente, com exames genéticos que me permitam “enxergar” essas 2 linhagens – e para cada tipo de situação, o exame ideal pode ser diferente.

Muitos dos exames utilizam a mesma técnica usada nos testes de paternidade – identificação das chamadas “sequências curtas em repetição” ou STRs –, mas avaliam o material de somente uma pessoa, buscando detectar sinais discordantes entre si. 

Um dos quimerismos mais importantes hoje na medicina é o que ocorre depois do transplante de medula óssea. Uma das formas de avaliar o sucesso do transplante é a análise de quimerismo pós-transplante, que usa exatamente o padrão de STRs para identificar a pega do procedimento.